17/12/2025 | Notícia
Construir uma casa é, sobretudo, um ritual - um processo de enraizamento no território, em diálogo com a paisagem e com a matéria viva do lugar: a terra, a vegetação, os minerais, a umidade e os ventos. Em Paraty (RJ), esse ato ganhou ritmo próprio. Entre o mangue e a serra, a arquitetura se transformou em corpo e movimento - uma coreografia entre técnica e natureza. Assim se revela a Casa Palco, uma obra que dança com seus próprios elementos, ajustando-se ao terreno e respirando o clima do litoral carioca.
Com 360 m² distribuídos em dois pavimentos, a residência se apoia sobre um sítio úmido e instável, próximo a uma marina. “A base da casa é uma laje maciça que abriga uma galeria técnica para as infraestruturas e separa fisicamente o conjunto metálico do solo”, explica a arquiteta Kiti Vieira, que assina o projeto. A solução cria uma distância protetora entre o sistema em aço e a umidade, ao mesmo tempo em que ventila e estabiliza a construção.
O concreto, nesse conjunto, atua como mediador entre materiais de naturezas distintas: amarra o edifício e permite que o aço e a taipa trabalhem em equilíbrio. Nas vigas de transição, chapas metálicas foram chumbadas durante a concretagem, garantindo continuidade estrutural e precisão nos encontros entre os sistemas. Essa solução assegura estabilidade e coerência visual.
Mais do que suporte, a solução em aço define a linguagem da obra. Ela articula o espaço, orienta o processo construtivo e se revela como parte da expressão arquitetônica. A estrutura é o próprio desenho — o aço oferece precisão e leveza sem esconder o processo construtivo. “Todos os materiais são aparentes, sem revestimentos ou disfarces, compondo uma estética limpa e precisa”, destaca Kiti Vieira.
O sistema estrutural foi pensado de forma racional, com modulação e detalhes visíveis que eliminam a necessidade de acabamentos. Essa opção trouxe economia, limpeza visual e controle sobre o processo construtivo. Aliás, essa transparência material traduz a residência como um diálogo entre matérias: o aço estrutura, o concreto ancora, o vidro dissolve e a terra devolve textura.
A precisão industrial contrasta com o trabalho artesanal da taipa e do granilite. “As peças metálicas, produzidas fora do canteiro, garantem agilidade e controle dimensional. Já os elementos executados em obra trazem a dimensão manual e o tempo do fazer”, explica a arquiteta. Essa convivência harmônica confere à Casa Palco uma dimensão mais humana — um equilíbrio entre solidez e leveza, entre a exatidão técnica e o manufaturado.
A Casa Palco foi se ajustando ao próprio tempo: enquanto o esqueleto metálico imprimia precisão e ritmo, os materiais moldados em obra seguiam o compasso da cura e do ofício. “Essa estratégia foi decisiva para otimizar o cronograma: enquanto outras etapas se prolongavam, a estrutura permitiu montagem rápida e encaixes exatos”, observa Kiti Vieira.
Nos pontos em que a vista para o mangue e para a Serra da Bocaina se abrem, o conjunto se transforma em moldura, enquadrando a paisagem sem competir com ela. E o aço atua como mediador entre corpo e natureza: marca o limite necessário sem fechá-lo — apenas o suficiente para sustentar e revelar a vista, em equilíbrio sutil entre contenção e transparência.
De longe, parece uma residência. De perto, um raciocínio. O aço se entende em silêncio com os outros materiais, como músicos que já dispensaram o maestro. Nada ali é grandioso — e talvez por isso a Casa Palco seja grande. Suspensa sobre o mangue, ela prova que a arquitetura não precisa dominar o lugar para existir. Até porque, no fim, a verdadeira estrutura é o respeito.
Ficha Técnica
Casa Palco
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